 A 
religiosidade sempre esteve presente no processo de colonização do 
Brasil. Sendo sobre a fixação em terra da primeira cruz, seguida da 
primeira missa proferida pelo frei Henrique de Coimbra em 1500 ou até 
mesmo muito antes disso com os ritos e cerimônias tupis.
        
 A 
religiosidade sempre esteve presente no processo de colonização do 
Brasil. Sendo sobre a fixação em terra da primeira cruz, seguida da 
primeira missa proferida pelo frei Henrique de Coimbra em 1500 ou até 
mesmo muito antes disso com os ritos e cerimônias tupis.
Os
 lusitanos costumavam dizer que os índios não possuíam conhecimento de 
Deus e nem de outros ídolos, sendo que, muitas vezes foram associados a 
animais ou demonizados, alegando o colonizador que estes povos não 
possuíam alma.
 Para os índios não existia muita diferença entre a 
realidade acordada e a realidade dos sonhos: os pássaros, o mundo dos 
espíritos, o parto, a lua, tudo estava entrelaçado.
Outra coisa que 
causava a repugnância dos portugueses para com os índios era o fato 
desses nativos praticarem a antropofagia. Para os tupis, a mais honrada 
atividade era a guerra. Entre as pessoas da mesma tribo a convivência 
era pacífica e amigável, mas eram implacáveis no que diz respeito a 
grupos rivais.
Ao fim da “guerra”, os derrotados eram feitos 
prisioneiros e depois através de rituais, eram sacrificados e devorados.
 Os índios acreditavam que a força do guerreiro abatido passaria para 
aqueles que o comessem.
De
 início, os portugueses não tiveram muita dificuldade em conseguir a 
confiança dos nativos. Através de maravilhosos presentes (espelhos, 
tesouras, facas, panos, etc.), objetos que eram desconhecidos entre os 
indígenas, os europeus tornaram-se muito próximos desses povos.
 Pouco 
depois esses objetos já não eram adquiridos tão facilmente, os nativos 
tiveram que dar algo em troca, como mulheres, mão-de-obra, pau-de-tinta,
 etc, implantando-se assim a prática do escambo.
A
 Igreja, representada pelos jesuítas chegou com uma enumerada quantidade
 de devoções.A missa, a comunhão, a confissão, o batismo, a oração, o 
casamento, a penitência, foram alguns instrumentos da catequização que 
no decorrer da Colonização foram assimilados ou rejeitados pelos índios.
Os jesuítas
Os
 jesuítas faziam parte de uma ordem religiosa católica chamada Companhia
 de Jesus que foi fundada em 1534 por um grupo de estudantes liderados 
por Inácio de Loyola, sendo aprovada pelo Papa Paulo III em 1540.
Criados
 com o objetivo de espalhar a fé católica pelo mundo, os jesuítas eram 
subordinados a um regime de privações, preparando-os assim para viverem 
em locais distantes, adaptando-os às mais adversas condições.
Em 1549, a
 mando do Rei Dom João III, os primeiros jesuítas desembarcaram no 
Brasil, liderados por Manuel da Nóbrega (sacerdote português). A 
catequização dos índios era uma das obras colonizadoras mais desejadas 
pelo Rei, obra que atenderia não só os objetivos da colonização como 
também aos intentos de uma sociedade sagrada, portanto, obra de Deus. O 
padre Simão de Vasconcelos reafirma:
“À Alteza del-Rei Dom
 João III que então vivia, Príncipe tão pio, e inclinado a propagar a 
fé, que se lhe ouvira muitas vezes, que desejava mais a conversão das 
almas, que a dilatação de seu império.
 E com esta disposição da parte do
 Rei, e obrigação de nosso Instituto, foi fácil ajustar os intentos, e 
concluir, que se expedisse uma gloriosa missão a partes tão 
necessitadas.
 E consultando o negócio com os Padres mais graves, com o 
mesmo Rei D. João, e mais eficazmente com a Majestade divina, caiu a 
sorte venturosa sobre o Padre Manuel da Nóbrega. (José Maria de Paiva. 
Transmitindo Cultura:
 “A catequização dos índios do Brasil, 1549-1600”. Revista Diálogo Educacional. P. 1-22)
O
 Padre Manuel da Nóbrega foi um dos principais jesuítas que 
desembarcaram na Bahia. Depois de algum tempo, vieram outros jesuítas 
que foram historicamente importantes como José de Anchieta e Antônio 
Vieira.
Durante
 o tempo em que os jesuítas permaneceram no Brasil, foram criados 
colégios, igrejas, capelas, onde os nativos e os descendentes de 
portugueses recebiam instrução e formação.                                
                                                  PARA SABER MAIS
      Filho do desembagador Baltasar da Nóbrega, estudou humanidades no Porto e freqüêntou como bolseiro régio as faculdades de Cânones de Salamanca e Coimbra, onde obteve o grau de bacharel em 1541.
 
 Entrou na Companhia de Jesus, já Sacerdote, em 1544, tendo efetuado missões pastorais na Beira e no Minho. 
A pedido de D. João III, integrando a armada de Tomé de Sousa, chefiou o primeiro grupo de inacianos destinados oa Brasil, onde chegou em 1549.
Defendeu a liberdade dos índios; favoreceu os aldeamentos, em estreita colaboração com o governador; cultivou a música como auxiliar da evangelização; promoveu o ensino primário através das escolas de ler e escrever e fundou pessoalmente os colégios de Salvador, de Pernambuco, de São Paulo, origem da futura cidade, e do Rio de Janeiro, onde exerceu o cargo de reitor.
 Ajudou a expulsar os estrangeiros da baía da Guanabara, contribuindo para o robustecimento do poder central e para a unificação política do território.
O seu pensamento encontra-se expresso nas Cartas, nos Apontamentos e sobretudo no Diálogo sobre a Conversão do Gentio.
Faleceu no Rio de Janeiro, em 1570, no dia em que completava 53 anos de idade.
Fonte: Instituto Camões
A Catequização
Uma
 das principais tarefas dos jesuítas seria trazer os índios para a 
“verdadeira” fé cristã.
 
Tarefa que se mostrou de difícil execução no 
decorrer do processo. Para os jesuítas, extinguir costumes como a nudez,
 a poligamia, a antropofagia, entre outros, seria de extrema 
dificuldade, pois acreditavam que os índios estavam sendo governados 
pelo demônio, portanto, um trabalho longo e perigoso, que acabou 
forçando os padres inacianos a se adequarem àquela situação.
 
“No
 contexto da catequese, não resta dúvida de que os nativos assimilaram 
mensagens e símbolos religiosos cristãos, sobretudo por meio das 
imagens, mas é também certo que os jesuítas foram forçados a moldar sua 
doutrina e sacramentos conforme as tradições tupis.” (Ronaldo Vainfas. A
 heresia dos índios. P. 110)
 
No
 decorrer da catequização, houve uma série de resistências por parte dos
 índios, pois era difícil assimilar os diversos gestos sociais 
portugueses como, o trabalho braçal, adesão a doutrina católica, 
mudanças de costumes, um verdadeiro aportuguesamento forçado.
 
Para
 os jesuítas, o batismo significava a transformação dos costumes, a 
entrada para a sociedade portuguesa, mesmo esta idéia não sendo tão 
aceita pelos indígenas. De início, os batizados eram feitos de modo 
individual ou em pequenas quantidades. Com o decorrer do tempo e com o 
aldeamento – já que muitas tribos eram nômades – começaram a se batizar 
em massa, chegando a batizar mais de mil índios juntos.
 
“Serafim
 Leite calcula que, entre 1558 e 1566, se batizaram entre doze a quinze 
mil índios.” (José Maria de Paiva. Transmitindo Cultura: “A catequização
 dos índios do Brasil, 1549-1600”. Revista Diálogo Educacional. P. 1-22)
 
Além
 de ser inserido em uma nova religião, o batizado também ganhava um novo
 nome (nome português), deixando pra trás o seu nome antigo, 
incluindo-se assim os nativos em uma “nova sociedade”.
 
Mas
 a inclusão desses indígenas nessa nova sociedade e principalmente em 
uma nova religião, não se dava de um dia para o outro. Exigia-se demais 
dos índios uma demonstração de fé a que eles não conseguiam assimilar, 
reduzindo a fé a um sentimento decorado, deixando claro para os 
jesuítas, como seria árduo o processo de catequização.
 
Durante
 todo o percurso percorrido pelos padres inacianos, foram utilizados 
vários artifícios a fim de converter os nativos, fazendo com que eles 
aceitassem a fé cristã através do batismo. Um dos recursos muito 
utilizados pelos padres eram as doenças.
 
 Os jesuítas usavam muitas vezes
 doenças que eram trazidas pelos brancos portugueses (varíola, sarampo, 
gripe) para semear a mística do salvamento pelo único Deus, tomando-se 
assim a doença como uma das bases para que os índios compreendessem que 
somente o Deus Católico seria capaz de curar e salvar a alma.
 
“Correspondência,
 livros de catequese, sermões e outros registros datados dos séculos 
XVII e XVIII revelam o trabalho dos jesuítas da Província Eclesiástica 
do Paraguai, atualmente parte do território da Argentina, do Paraguai e 
do Brasil.
 
 Eles tentaram implantar entre os indígenas abrigados nos 
povoados missionais (Guarani, Jê e Pampianos) noções de pecado, culpa e 
castigo. E a ação nefasta de doenças epidêmicas teve sua valia nesse 
esforço catequista.” (Jean Baptista. Epidemias nas missões jesuíticas. 
Revista História Viva. P. 69)
 
Os
 padres utilizavam as epidemias como estratégia religiosa. Os indígenas 
interpretavam as doenças como a manifestação dos deuses decorrentes da 
insatisfação do comportamento humano. Mas como os índios não possuíam 
defesas biológicas para combater estas doenças contraídas do homem 
branco, os padres faziam por aproveitar para usar este mal como forma de
 mostrar a fragilidade dos deuses pagãos e desse modo, incutir na 
cultura religiosa indígena a idéia de um único Deus, o Deus do 
Catolicismo.
 
“Os
 deuses ameríndios são mais fracos que o Deus verdadeiro – eis o 
princípio da argumentação de missionários ativos na América Colonial 
quando o assunto era varíola, sarampo ou gripe.” (Jean Baptista. 
Epidemias nas missões jesuíticas. Revista História Viva. P. 69)
 
  
 
O
 que muito se viu na colonização em termos de religiosidade, foi uma 
certa disputa pela liderança espiritual dos nativos.
 
 Os pajés, que 
segundo os índios eram os representantes escolhidos pelos deuses para 
passar a profecia, sendo uma figura de extrema importância dentro das 
tribos indígenas, responsáveis por passar adiante a cultura, as 
tradições e a história de seu povo.
 
Exerciam também a função de 
curandeiros, pois conheciam muito bem o poder de cura de ervas e 
plantas. Os pajés encontraram nos padres inacianos fortes oponentes no 
que diz respeito à soberania religiosa.
 
 Os jesuítas procuravam de todo 
modo diminuir o poder xamânico, demonizando-os e atribuindo muitas vezes
 as epidemias decorrentes de doenças trazidas pelos brancos europeus, 
aproveitando do pouco saber sobre essas doenças para delegar aos pajés a
 culpa e ao mesmo tempo mostrar que estes “feiticeiros” não tinham poder
 algum para ser guia espiritual dos índios, pois os próprios eram 
passivos de contaminação.
 
 
“Eles
 foram descritos na documentação católica da época como diabólicos 
opositores do projeto missional. Não por acaso, os religiosos diziam que
 a mata habitada por xamãs era incubadora das epidemias.” (Jean 
Baptista. Epidemias nas missões jesuíticas. Revista História Viva. P. 
70)
 
 
 
 
 
 
Embora
 os índios não tivessem deuses nem ídolos, mesmo assim eles tinham seus 
ritos e sua santidade. Santidade esta, que foi motivo de muita 
controvérsia.
 
 A santidade ameríndia embora contasse com uma série de 
características da religião católica, pode se dizer que foi um processo 
de resistência indígena à catequização jesuítica.
 
Segundo
 Vainfas, os colonizadores ficaram impressionados com estes rituais 
tupis, denominados santidade, considerando a santidade ameríndia como um
 tipo de revolta e até mesmo heresia indígena.
 
A
 denominada santidade que os autores quinhentistas atribuíam à cerimônia
 indígena acabou se tornando uma disputa entre jesuítas e nativos. O uso
 da expressão causava controvérsias, pois foram os próprios inacianos 
que haviam atribuído essa expressão à cerimônia tupi, a qual era julgada
 como diabólica.
 
Para
 os nativos esta santidade era a constante procura da “Terra sem Mal”, 
um lugar sagrado que se renova eternamente, uma busca à sociedade da 
felicidade divina e o abandono da terra má, a sociedade tal qual eles 
viviam.
 
Em relato de Manuel da Nóbrega ele mostra muito bem o que seria a “Terra sem Mal” que os índios tanto idealizavam.
 
 
“No
 plano das crenças, a mensagem veiculada pelo profeta/feiticeiro aludia,
 sem sombra de dúvida, a Terra sem Mal: lugar de abastança, onde os 
víveres não precisariam ser plantados, nem colhidos, e as flechas 
caçariam sozinhas no mato; fonte de imortalidade, de eterna juventude, 
onde as velhas se tornariam moças, espécie de juventa tupi.” (Ronaldo Vainfas. A heresia dos índios. P. 53)
 
 
De certo modo, a busca da Terra sem Mal significava uma “guerra” contra o colonizador e suas imposições.
 
As
 cerimônias tupis denominadas de santidades, além de serem vistas como 
um ritual, também foram percebidas pelos portugueses como um movimento, 
como uma ação coletiva dos índios no sentido de migrações, rebeliões e 
assaltos contra o colonizador.
 
 
“A
 primeira notícia de migrações fugitivas provém de Gandavo, que aludiu 
ao percurso de um grupo de índios que partiu do Brasil sertão adentro 
rumo ao Peru, acrescentando que o intento deles não era outro senão 
buscar sempre terras novas, a fim de lhes parecer que acharão nelas 
imortalidades e descanso perpétuo.” (Ronaldo Vainfas. A heresia dos 
índios. P. 64)
 
 
 
Uma das mais importantes santidades ocorreu no recôncavo baiano, principalmente em Jaguaripe. A partir daí praticamente todo litoral brasileiro passou a conhecer o termo santidade.
 
Muitos
 cronistas também descreveram a cerimônia tupi. Diversas narrativas 
foram feitas com respaldo nas correspondências e escritos de jesuítas 
como Anchieta, Cardim, Pedro Correa e outros durante os anos de 1550 e 
1560.
 
Outro
 papel importante da santidade ameríndia era a prática do “rebatismo”. 
Usado como forma de anular o sacramento católico e trazer de volta o 
nativo para a “verdadeira” santidade, pois diziam os índios que a fé 
cristã era falsa e não merecia que nela se acreditassem.
 
 
“Aos
 olhos dos índios, se o batismo dos padres lhes trazia a morte – morte 
real e simbólica – o rebatismo da santidade significava para eles a vida
 eterna na terra da imortalidade.” (Ronaldo Vainfas. A heresia dos 
índios. P. 121)
 
    O
 rebatismo das santidades se efetuava com o uso da água (mostrando muito
 bem a conectividade com práticas do batismo católico) e o fumo, muitas 
vezes mudando o nome cristão do rebatizado. Ao extirpar o nome cristão 
do índio, adotava-se outro em sua língua, reeditando-se assim a cultura 
tupi e exorcizando a outra.
 
 
 
 
 
No
 decorrer deste trabalho pude notar certa disparidade entre as 
bibliografias por mim utilizadas, com a história que estudamos no ensino
 fundamental e médio. A atitude dos jesuítas e de outros missionários 
foi um tanto quanto duvidosa em relação à questão indígena.
 
Se de um 
lado os jesuítas se posicionaram contra a escravização ameríndia, por 
outro, foram coniventes ao confinarem os nativos nos chamados 
aldeamentos cristãos, onde, através das catequeses, obrigavam estes 
povos a abandonar seus modos de vida, suas andanças pelas matas, suas 
lideranças espirituais, suas crenças e ritos.
 
No
 que diz respeito ao contexto da colonização no Brasil, a pregação da 
religião foi apenas um elemento do conjunto de recursos utilizados para 
se conseguir os objetivos que a parte dominante tanto almejava.
 
 A 
catequese serviu como instrumento para a imposição dos usos e costumes 
portugueses, procurando com isso uma certa domesticação e adestramento 
dos nativos para se adquirir não só a conversão das almas, mas também a 
utilização econômica daquela mão-de-obra ali disponível.
 
Por
 outro lado, essa imposição não foi recebida pelos índios sem nenhum 
tipo de resistência. A busca pela Terra sem Mal, por exemplo, foi uma 
das principais oposições dos nativos a escravização que os colonizadores
 portugueses os submeteram. A procura da Terra sem Mal se caracterizou 
pela fuga indígena dos principais centros de colonização. Isso deixa 
claro que, se os índios cederam a imposição portuguesa, não foi porque 
quiseram e sim por impotência.
 
É
 de se estranhar que até hoje os livros didáticos não abordem esses 
temas, que, se for levar em consideração, nos mostraria uma outra face 
do que foi o processo colonizador, ou no mínimo nos daria assunto para 
uma longa discussão.
 
 
 
Referências Bibliográficas
 
 
 
VAINFAS, Ronaldo, A heresia dos índios - catolicismo e rebeldia no Brasil Colonial, São Paulo: Companhia das Letras, 1995.
 
 
PAIVA,
 José Maria de (2000). Transmitindo Cultura: A catequização dos índios 
no Brasil, 1549-1600. Revista Diálogo Educacional - v. 1 - n.2 - p.1-170
 - jul./dez. 2000.
 
 
BAPTISTA, Jean. Epidemias nas missões jesuíticas. História Viva, São Paulo, nº. 67, p. 68-73, Maio 2009.