HISTÓRIA DO BRASIL:
o "Descobrimento"
Viagem: de Pedro Álvares Cabral
Pedro Álvares Cabral
O descobrimento do Brasil
A chegada dos portugueses a terras do Brasil em 1500 colocou em
confronto culturas notadamente diversas. A européia que tinha em sua base
cultural a nobreza, as relações mercantis e o cristianismo. A indígena valorizava a vida comunitária, a relação com a
natureza e a pajelança e o xamanismo.
Logo vieram também os africanos sob a condição de escravos.
Nesses mais de 500 anos de história, formou-se no Brasil uma sociedade
original. Para os europeus portugueses e seus descendentes, reproduziu-se no
Brasil seus valores e a cristandade.
Para os ameríndios, a destruição
quase completa de sua cultura original e o extermínio de povos inteiros.
Para
os africanos e afro-brasileiros, a escravidão, o racismo e a discriminação.
Valeu a pena? Comodiria o poeta Fernando Pessoa: "tudo vale a pena, se a alma não é pequena."
1500:
a chegada dos portugueses.
No final da Idade Média, a partir de 1415, Portugal iniciou uma
experiência fundamental para os tempos modernos: as Grandes Navegações. Singrou mares e oceanos desconhecidos dos europeus, até chegar, em
1543, ao outro extremo da Terra, ao Japão.
No inicio dos tempos modernos, a Europa ocidental passava por mudanças
internas profundas e importantes. Nas cidades, cresciam as atividades
artesanais, comerciais e financeiras. Surgiram novos personagens sociais, como
os mercadores, artesãos, funcionários públicos, cambistas e banqueiros, cujos
interesses entravam em choque com a nobreza feudal. No âmbito da vida
política, alguns reis começavam a impor sua autoridade aos senhores feudais.
Essas mudanças levaram, entre o final do século XV e o começo do século XVI, a
uma forte expansão marítima e comercial fomentada pela burguesia e pelas
monarquias nacionais européias. Começava a época das grandes navegações.
Nesse processo de transformação do mundo ocidental, destacaram-se a burguesia mercantil e as monarquias nacionais, além de setores da própria nobreza,
que lançaram os europeus à conquista do mundo através das grandes navegações.
Para boa parte da burguesia, a expansão marítima era uma necessidade
econômica e política. As monarquias nacionais absolutas foram promotoras das
Grandes Navegações – das cobranças de impostos à imposição da justiça e ao
recrutamento militar foi fundamental para a expansão do capitalismo mercantil e
das conquistas marítimas.
A centralização e o
fortalecimento do Estado mostraram-se importantes para o desenvolvimento da economia capitalista
mercantil. Do século XII ao século XVIII, o capitalismo baseou-se na atividade
comercial. Foi a aplicação de investimentos de capitais no comércio de produtos entre mercados regionais, nacionais e
internacionais que possibilitava a obtenção do lucro e a acumulação de capital.
Os produtos mais cobiçados eram metais preciosos, ouro ou prata, o chamado
Metalismo, com a finalidade de se acumular metais preciosos, chamado de
Entesouramento.
Coube aos portugueses iniciar a procura de novas rotas comerciais,
atraídos pelo comércio de especiarias e pelas fabulosas riquezas que, segundo
as lendas, existiriam nos continentes africano e asiático.
Tais lendas povoavam
o imaginário dos europeus desde a época dos relatos de viagens de Marco Pólo à
China, no século XIII.
Portugal possuía algumas vantagens que possibilitaram o seu pioneirismo:
foi o primeiro país europeu a constituir um Estado nacional, território autônomo cujos súditos se submetiam ao mesmo rei; possuía
um único exército e falavam a mesma língua, seguiam a mesma religião e
obedeciam às mesmas leis; tinha uma localização geográfica favorável á
navegação; tinha experiência na indústria pesqueira no alto mar.
O comércio constituiu o principal estímulo para os portugueses se
lançarem aos mar. Buscavam, sobretudo, os produtos asiáticos de luxo,
inexistentes na Europa, como especiarias, sedas, jóias, porcelanas.
As especiarias ou “drogas das Índias” eram aromas, perfumes, remédios, bálsamos, temperos, incensos, como a
pimenta da Índia, a canela do Ceilão, o cravo das ilhas Molucas, a noz-moscada
das ilhas de Banda e o gengibre de Madagascar e da Índia. Eram grandes
riquezas, cujo alto lucro comercial instigava a cobiça e a ambição.
Joao de Castro, 1500-1548, explorador
portugues, vice-rei da India. Retrato do Codex Lisuarte de Abreu, 1558.
Biblioteca Pierpont Morgan, Nova York.
Além das razões de ordem material, havia um componente ideológico entre
as nações européias que deram início às Grandes Navegações – Portugal primeiro,
depois a Espanha – era o sentimento de que era preciso difundir com urgência a fé católica entre os povos não cristianizados.
Basta lembrar
que Portugal e Espanha se formaram e expandiram seus territórios durante a
Guerra de Reconquista (séculos VII ao XV), uma série de conflitos entre
cristãos e muçulmanos, na península Ibérica, que, apoiada pela Igreja Católica,
reforçou a estreita ligação entre Portugal e Espanha e o Cristianismo.
Fundiam-se assim, num único corpo ideológico, o novo interesse mercantil
com a velha mística cruzadista – a procura do lucro com a defesa da fé.
A partir de então, as
expedições portuguesas seriam organizadas como empreendimentos comerciais, militares e religiosos
enviadas em nome da “missão” ou “destino” do império luso de expandir a
cristandade em outras terras.
As grandes navegações portuguesas consolidou-se como um projeto
claramente definido pelo Estado, a partir de 1385 com o triunfo da Revolução de Avis, que pôs no poder em Portugal a dinastia de Avis que influenciou
diretamente a expansão marítima portuguesa.
Combinando a busca de conhecimento
com interesses comerciais e políticos, os Avis traçaram uma estratégia de
inicialmente conquistar algumas posições no norte da África.
Mais tarde, passou
a ser a descoberta de uma rota marítima para as Índias que contornasse a costa
africana.
Para o empreendimento, foram atraídos no exterior, sobretudo nas cidades
da península Itálica, pilotos, técnicos especialistas, físicos, geógrafos,
cosmógrafos e cartógrafos. Reunidos pelo príncipe dom Henrique no Algarves, a partir de 1415, esses homens constituiriam a suposta Escola
de Sagres.
Instrumento de navegação. Agulha de
Marear,Museu da Marinha, Rio de Janeiro.
Astrolábio Nautico. Museu da Marinha, Rio
de Janeiro.
Marco inicial nesse movimento expansionista foi a expedição a Ceuta, em 1415, na costa do Marrocos atual,
junto ao estreito de Gibraltar, que visava tomar esse entreposto comercial e
militar árabe e, por meio dele, fixar uma boa posição portuguesa no norte da
áfrica.
Na década de 1420, os portugueses deram inicio à ocupação das ilhas da Madeira e dos Açores, onde introduziriam o trigo, a vinha e a cana-de-açúcar. Em 1434, a
expedição de Gil Eanes ultrapassou o temido cabo Borjador, intensificando a exploração da costa
africana. Escravos, ouro e marfim eram os alvos dos exploradores, apoiados nas
feitorias, entrepostos comerciais fortificados, que eram instalados na costa.
Com a presença espanhola no oceano Atlântico, os portugueses logo
passaram a negociar a divisão das futuras conquistas com os espanhóis.
Depois
de recusar proposta do papa Alexandre VI – divisão das terras a serem
encontradas por um meridianos traçado a 100 léguas a oeste do Cabo Verde –,
Portugal assinou com a Espanha em 1494 o Tratado de Tordesilhas.
O acordo assegurava aos portugueses a
posse das terras existentes a ocidente até 370 léguas a oeste do arquipélago de
Cabo Verde.
Portugal insistiu no “périplo africano”, isto é, no contorno da áfrica rumo ao Oriente. Em 1498, no reinado de
dom Manuel, o Venturoso (1495-1521), Vasco da Gama partiu de Lisboa e
finalmente chegou a Calicute, na Índia atual.
A
Caravela. Academia das Ciências de Lisboa, Portugal.
Texto e Contexto
Em Os Lusíadas, Luís de Camões toma como
assunto central a viagem de Vasco da Gama, exaltando a glória das conquistas
realizadas pelo navegador e o ideal de expansão da fé católica:
“As armas e os Barões assinalados
Que, da Ocidental praia Lusitana,
Por mares nunca d’antes navegados
Passaram ainda além da Taprobana [ilha do Índico]
Em perigos e guerras esforçados,
Mais do que prometia a força humana,
E entre gente remota edificaram
Novo Reino, que tanto sublimaram;
E também as memórias gloriosas
Daqueles Reis que foram dilatando
A Fé, o Império, e as terras viciosas [não-católicas]
De África e de Ásia andaram devastando,
E aqueles que por obras valorosas
Se vão da lei da Morte libertando
Cantando espalharei por toda parte,
Se a tanto me ajudar o engenho e a arte.”
(CAMÕES, Luís Vaz de. Os Lusíadas. Lisboa: Imprensa Nacional, 1931.)
Para consolidar o comércio das especiarias, uma nova expedição foi
enviada dois anos depois. Era a frota de Pedro Álvares Cabral.
Até Cabo Verde, a rota foi fielmente seguida. Após o arquipélago, a
frota desviou-se para ocidente, no rumo sudoeste.
Em 22 de abril, os portugueses
avistaram um monte, que chamaram Pascoal, e a linha da costa, no sul da atual
Bahia.
O desvio, provavelmente deliberado e não casual, faz supor que, além do
roteiro conhecido, a esquadra tivesse a missão não divulgada de comprovar a
existência de terras no Atlântico Sul dentro da área prevista em Tordesilhas.
Cabral e seus homens batizaram as novas terras de Ilha de Vera Cruz, logo depois o nome foi modificado
para Terra de Santa Cruz.
Para comunicar o feito ao rei dom Manuel, foi enviado
a Portugal uma carta de Pero Vaz de Caminha.
Em Portugal na Europa, o feito de Cabral foi considerado um
“descobrimento”, ou “achamento”, no vocabulário da época.
Mas recentemente, a
expressão Descobrimento vem sendo criticada, pois ela revela apenas a visão
portuguesa e européia – ou visão eurocêntrica – do acontecimento.
Texto e Contexto
A Carta de Caminha
“Esta
terra, Senhor (...) nela, até agora não podemos saber que haja ouro, nem prata,
nem coisa alguma de metal ou ferro; nem lho vimos. Porém, a terra em si é de
muito bons ares, assim frios e temperados...
Porém, o melhor fruto que dela se pode tirar me parece que será salvar esta
gente. E esta deve ser a principal semente que Vossa Alteza em ela deve lançar.
E que aí não houvesse mais que ter esta pousada para esta navegação de
Calicute, isso bastaria. Quanto mais disposição para nela se cumprir e fazer o
que Vossa Alteza tanto deseja, a saber, o acrescentamento da nossa anta fé.”
Beijo as mãos de Vossa Alteza.
Deste Porto Seguro, da vossa Ilha de Vera Cruz, hoje, seta-feira, 1° de maio de
1500.
Pero Vaz de Caminha.
Antes de Cabral, as terras que hoje fazem parte do Brasil já haviam sido
visitadas por navegantes europeus. Já em 1325 lendas e mapas europeus falam da
ilha Brasil, associada ao pau-brasil e a virtudes paradisíacas.
Portugal pode
ter chegado ao Brasil no fim do século XV em expedições de arcano (sigilosas),
entre elas a de João Coelho da Porta da Cruz (1493). É certo que o espanhol
Vicent Pinzón, a 26 de janeiro de 1500, desembarcou na ponta de Mucuripe, no
litoral do atual estado do Ceará.
Colombo no Atlantico rodeado por
monstros. Gravura de Theodore de Bry, século XVI.
Conquista de Ceuta, 1415, pelo infante
português D. Henrique. Azulejo do século XIX.
Até o início das Grandes Navegações, o oceano Atlântico era praticamente
desconhecido pelos europeus. Muitos acreditavam tratar-se de um mar povoado por
monstros diabólicos.
Por isso, era chamado de Mar Tenebroso. Muitos eram os medos dos europeus em
relação ao desconhecido (tanto o vasto oceano Atlântico quanto o continente
americano).
Com as Grandes Navegações, novos continentes, assim como o oceano
Atlântico, passaram a ser conhecidos, tendo aos poucos seus segredos
desvendados. Enfrentar todos esses desafios reais e os imaginários foi tarefa
pioneira dos portugueses.
Contudo, além do gosto pela aventura, os portugueses estavam à procura
de riquezas e de possibilidades comerciais.
Em relação ao Brasil, as novas
terras permaneceriam inexploradas por muitos anos, já que os esforços dos
portugueses na época se concentravam nas feitorias africanas e no comércio de
seus domínios no Oriente.
Desembarque de Cabral. Tela de Oscar da
Silva, século XIX. Museu Paulista, São Paulo.
As primeiras expedições portuguesas percorreram a costa da foz do
Amazonas até o estuário do rio da Prata, no extremo sul. De imediato, a
principal riqueza encontrada para explorar e comercializar foram as toras de
uma árvore, o pau-brasil, madeira já conhecida na Europa, da qual se extraía um pigmento para
tinturas em tecido e papel.
A exploração do pau-brasil foi arrendada, em 1502, a Fernão de Noronha,
chefe de um grupo de cristãos-novos que se dedicavam ao comércio.
Sua
exploração, feita com base no trabalho dos indígenas, constituiu a primeira
atividade econômica da nova colônia portuguesa na América, o Brasil.
O
pau-brasil, assim chamado pelos europeus, crescia naturalmente em quase todo o
litoral brasileiro, na mata Atlântica. Com sua exploração, a Mata Atlântico do
litoral foi destruída já no primeiro século de conquista.
A chegada dos europeus à América. A cruz,
a espada e as trocas comerciais presentes na conquista. Theodore de Bry, 1594.
Mapa
Terra Brasilis, imagem bela e bucólica do Brasil no primeiro século, onde se
observa a fauna, a flora e os indígenas sendo explorados para extração do
pau-brasil. Atlas Miller de Lopo Homem, 1515-1519.
A ameaça estrangeira à posse da terra chegou a tal ponto na década de
1520 que o governo português se viu obrigado a enviar para cá expedições
militares, chamadas de guarda-costas. Contudo, a solução foi a defesa permanente da costa, com vilas e
povoados para iniciar a ocupação das terras e que pudessem impedir a atividades
comerciais dos estrangeiros.
Grandes
Navegações e Descobrimentos
1255 – No documento Foral de Gaia, faz-se referência a um navio chamado
caravela, utilizado em atividades de pesca. É a mais antiga menção conhecida ao
navio dos descobrimentos.
1336 – Marinheiros
genoveses, a serviço de Portugal, teriam chegado às ilhas Canárias. Lanzarotto
Malocello seria um deles.
1415 – Sob o comando do rei D. João I, e com a participação de seus filhos
mais velhos, Portugal conquista Ceuta, fato que marca o início da expansão
ultramarina.
1435 – Gil Eanes avança
pelo litoral africano e ultrapassa o cabo Bojador.
1445 – Seis caravelas
desembarcam na “Terra dos Negros” (Senegal).
1445-1448 – Construção da primeira fortificação portuguesa na África (Ilha de
Aguim).
1487-1488 – Sob o comando de Bartolomeu Dias, expedição portuguesa atinge os
limites austrais da África, ultrapassando o cabo das Tormentas.
1492-1493 – Viagem de Cristovão Colombo à América.
1494 – Tratado de Tordesilhas.
1497-1498 – Viagem de Vasco da Gama, com a qual se inaugura a carreira da Índia.
1499-1500 – Preparativos para a segunda expedição às Índias, sob o comando de
Pedro Álvares de Gouveia, que depois da viagem adota o patronímico Cabral.
1507 – O nome América é
registrado, pela primeira vez, no mapa de Martin Waldssemüller, para designar –
em homenagem a Américo Vespúcio – o continente descoberto por Colombo.
1516-1519 – Expedições guarda-costas portuguesas, para combater espanhóis e
franceses.
1519-1521 – Viagem de circunavegação, sob o comando do português Fernão de
Magalhães, então a serviço de Castela.
1530-1533 – Expedição de Martim Afonso de Souza, com o objetivo de dar combate aos
franceses e iniciar a colonização sistemática do Brasil, tomando posse
definitiva do território, desde o Amazonas até o rio da Prata.