quarta-feira, 22 de agosto de 2012

Os jesuítas e a catequização dos índios no Brasil colônia





        
 A religiosidade sempre esteve presente no processo de colonização do Brasil. Sendo sobre a fixação em terra da primeira cruz, seguida da primeira missa proferida pelo frei Henrique de Coimbra em 1500 ou até mesmo muito antes disso com os ritos e cerimônias tupis.

Os lusitanos costumavam dizer que os índios não possuíam conhecimento de Deus e nem de outros ídolos, sendo que, muitas vezes foram associados a animais ou demonizados, alegando o colonizador que estes povos não possuíam alma.

 Para os índios não existia muita diferença entre a realidade acordada e a realidade dos sonhos: os pássaros, o mundo dos espíritos, o parto, a lua, tudo estava entrelaçado.

Outra coisa que causava a repugnância dos portugueses para com os índios era o fato desses nativos praticarem a antropofagia. Para os tupis, a mais honrada atividade era a guerra. Entre as pessoas da mesma tribo a convivência era pacífica e amigável, mas eram implacáveis no que diz respeito a grupos rivais.

Ao fim da “guerra”, os derrotados eram feitos prisioneiros e depois através de rituais, eram sacrificados e devorados. Os índios acreditavam que a força do guerreiro abatido passaria para aqueles que o comessem.

De início, os portugueses não tiveram muita dificuldade em conseguir a confiança dos nativos. Através de maravilhosos presentes (espelhos, tesouras, facas, panos, etc.), objetos que eram desconhecidos entre os indígenas, os europeus tornaram-se muito próximos desses povos.

 Pouco depois esses objetos já não eram adquiridos tão facilmente, os nativos tiveram que dar algo em troca, como mulheres, mão-de-obra, pau-de-tinta, etc, implantando-se assim a prática do escambo.


A Igreja, representada pelos jesuítas chegou com uma enumerada quantidade de devoções.A missa, a comunhão, a confissão, o batismo, a oração, o casamento, a penitência, foram alguns instrumentos da catequização que no decorrer da Colonização foram assimilados ou rejeitados pelos índios.

Os jesuítas

Os jesuítas faziam parte de uma ordem religiosa católica chamada Companhia de Jesus que foi fundada em 1534 por um grupo de estudantes liderados por Inácio de Loyola, sendo aprovada pelo Papa Paulo III em 1540.

Criados com o objetivo de espalhar a fé católica pelo mundo, os jesuítas eram subordinados a um regime de privações, preparando-os assim para viverem em locais distantes, adaptando-os às mais adversas condições.

Em 1549, a mando do Rei Dom João III, os primeiros jesuítas desembarcaram no Brasil, liderados por Manuel da Nóbrega (sacerdote português). A catequização dos índios era uma das obras colonizadoras mais desejadas pelo Rei, obra que atenderia não só os objetivos da colonização como também aos intentos de uma sociedade sagrada, portanto, obra de Deus. O padre Simão de Vasconcelos reafirma:

“À Alteza del-Rei Dom João III que então vivia, Príncipe tão pio, e inclinado a propagar a fé, que se lhe ouvira muitas vezes, que desejava mais a conversão das almas, que a dilatação de seu império.

 E com esta disposição da parte do Rei, e obrigação de nosso Instituto, foi fácil ajustar os intentos, e concluir, que se expedisse uma gloriosa missão a partes tão necessitadas.

 E consultando o negócio com os Padres mais graves, com o mesmo Rei D. João, e mais eficazmente com a Majestade divina, caiu a sorte venturosa sobre o Padre Manuel da Nóbrega. (José Maria de Paiva. Transmitindo Cultura:

 “A catequização dos índios do Brasil, 1549-1600”. Revista Diálogo Educacional. P. 1-22)

O Padre Manuel da Nóbrega foi um dos principais jesuítas que desembarcaram na Bahia. Depois de algum tempo, vieram outros jesuítas que foram historicamente importantes como José de Anchieta e Antônio Vieira.

Durante o tempo em que os jesuítas permaneceram no Brasil, foram criados colégios, igrejas, capelas, onde os nativos e os descendentes de portugueses recebiam instrução e formação.                                

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Padre Manuel da Nóbrega


      Filho do desembagador Baltasar da Nóbrega, estudou humanidades no Porto e freqüêntou como bolseiro régio as faculdades de Cânones de Salamanca e Coimbra, onde obteve o grau de bacharel em 1541.

 Entrou na Companhia de Jesus, já Sacerdote, em 1544, tendo efetuado missões pastorais na Beira e no Minho. 

A pedido de D. João III, integrando a armada de Tomé de Sousa, chefiou o primeiro grupo de inacianos destinados oa Brasil, onde chegou em 1549.

Defendeu a liberdade dos índios; favoreceu os aldeamentos, em estreita colaboração com o governador; cultivou a música como auxiliar da evangelização; promoveu o ensino primário através das escolas de ler e escrever e fundou pessoalmente os colégios de Salvador, de Pernambuco, de São Paulo, origem da futura cidade, e do Rio de Janeiro, onde exerceu o cargo de reitor.

 Ajudou a expulsar os estrangeiros da baía da Guanabara, contribuindo para o robustecimento do poder central e para a unificação política do território.

O seu pensamento encontra-se expresso nas Cartas, nos Apontamentos e sobretudo no Diálogo sobre a Conversão do Gentio.

Faleceu no Rio de Janeiro, em 1570, no dia em que completava 53 anos de idade.

Fonte: Instituto Camões
                                                                          




A Catequização

Uma das principais tarefas dos jesuítas seria trazer os índios para a “verdadeira” fé cristã.

Tarefa que se mostrou de difícil execução no decorrer do processo. Para os jesuítas, extinguir costumes como a nudez, a poligamia, a antropofagia, entre outros, seria de extrema dificuldade, pois acreditavam que os índios estavam sendo governados pelo demônio, portanto, um trabalho longo e perigoso, que acabou forçando os padres inacianos a se adequarem àquela situação.

“No contexto da catequese, não resta dúvida de que os nativos assimilaram mensagens e símbolos religiosos cristãos, sobretudo por meio das imagens, mas é também certo que os jesuítas foram forçados a moldar sua doutrina e sacramentos conforme as tradições tupis.” (Ronaldo Vainfas. A heresia dos índios. P. 110)

No decorrer da catequização, houve uma série de resistências por parte dos índios, pois era difícil assimilar os diversos gestos sociais portugueses como, o trabalho braçal, adesão a doutrina católica, mudanças de costumes, um verdadeiro aportuguesamento forçado.



O Batismo

Para os jesuítas, o batismo significava a transformação dos costumes, a entrada para a sociedade portuguesa, mesmo esta idéia não sendo tão aceita pelos indígenas. De início, os batizados eram feitos de modo individual ou em pequenas quantidades. Com o decorrer do tempo e com o aldeamento – já que muitas tribos eram nômades – começaram a se batizar em massa, chegando a batizar mais de mil índios juntos.

“Serafim Leite calcula que, entre 1558 e 1566, se batizaram entre doze a quinze mil índios.” (José Maria de Paiva. Transmitindo Cultura: “A catequização dos índios do Brasil, 1549-1600”. Revista Diálogo Educacional. P. 1-22)

Além de ser inserido em uma nova religião, o batizado também ganhava um novo nome (nome português), deixando pra trás o seu nome antigo, incluindo-se assim os nativos em uma “nova sociedade”.

Mas a inclusão desses indígenas nessa nova sociedade e principalmente em uma nova religião, não se dava de um dia para o outro. Exigia-se demais dos índios uma demonstração de fé a que eles não conseguiam assimilar, reduzindo a fé a um sentimento decorado, deixando claro para os jesuítas, como seria árduo o processo de catequização.

Durante todo o percurso percorrido pelos padres inacianos, foram utilizados vários artifícios a fim de converter os nativos, fazendo com que eles aceitassem a fé cristã através do batismo. Um dos recursos muito utilizados pelos padres eram as doenças.

 Os jesuítas usavam muitas vezes doenças que eram trazidas pelos brancos portugueses (varíola, sarampo, gripe) para semear a mística do salvamento pelo único Deus, tomando-se assim a doença como uma das bases para que os índios compreendessem que somente o Deus Católico seria capaz de curar e salvar a alma.

“Correspondência, livros de catequese, sermões e outros registros datados dos séculos XVII e XVIII revelam o trabalho dos jesuítas da Província Eclesiástica do Paraguai, atualmente parte do território da Argentina, do Paraguai e do Brasil.

 Eles tentaram implantar entre os indígenas abrigados nos povoados missionais (Guarani, Jê e Pampianos) noções de pecado, culpa e castigo. E a ação nefasta de doenças epidêmicas teve sua valia nesse esforço catequista.” (Jean Baptista. Epidemias nas missões jesuíticas. Revista História Viva. P. 69)

Os padres utilizavam as epidemias como estratégia religiosa. Os indígenas interpretavam as doenças como a manifestação dos deuses decorrentes da insatisfação do comportamento humano. Mas como os índios não possuíam defesas biológicas para combater estas doenças contraídas do homem branco, os padres faziam por aproveitar para usar este mal como forma de mostrar a fragilidade dos deuses pagãos e desse modo, incutir na cultura religiosa indígena a idéia de um único Deus, o Deus do Catolicismo.

“Os deuses ameríndios são mais fracos que o Deus verdadeiro – eis o princípio da argumentação de missionários ativos na América Colonial quando o assunto era varíola, sarampo ou gripe.” (Jean Baptista. Epidemias nas missões jesuíticas. Revista História Viva. P. 69)




Padres x Pajés

O que muito se viu na colonização em termos de religiosidade, foi uma certa disputa pela liderança espiritual dos nativos.

 Os pajés, que segundo os índios eram os representantes escolhidos pelos deuses para passar a profecia, sendo uma figura de extrema importância dentro das tribos indígenas, responsáveis por passar adiante a cultura, as tradições e a história de seu povo.

Exerciam também a função de curandeiros, pois conheciam muito bem o poder de cura de ervas e plantas. Os pajés encontraram nos padres inacianos fortes oponentes no que diz respeito à soberania religiosa.

 Os jesuítas procuravam de todo modo diminuir o poder xamânico, demonizando-os e atribuindo muitas vezes as epidemias decorrentes de doenças trazidas pelos brancos europeus, aproveitando do pouco saber sobre essas doenças para delegar aos pajés a culpa e ao mesmo tempo mostrar que estes “feiticeiros” não tinham poder algum para ser guia espiritual dos índios, pois os próprios eram passivos de contaminação.

“Eles foram descritos na documentação católica da época como diabólicos opositores do projeto missional. Não por acaso, os religiosos diziam que a mata habitada por xamãs era incubadora das epidemias.” (Jean Baptista. Epidemias nas missões jesuíticas. Revista História Viva. P. 70)



A Santidade Ameríndia

Embora os índios não tivessem deuses nem ídolos, mesmo assim eles tinham seus ritos e sua santidade. Santidade esta, que foi motivo de muita controvérsia.

 A santidade ameríndia embora contasse com uma série de características da religião católica, pode se dizer que foi um processo de resistência indígena à catequização jesuítica.

Segundo Vainfas, os colonizadores ficaram impressionados com estes rituais tupis, denominados santidade, considerando a santidade ameríndia como um tipo de revolta e até mesmo heresia indígena.

A denominada santidade que os autores quinhentistas atribuíam à cerimônia indígena acabou se tornando uma disputa entre jesuítas e nativos. O uso da expressão causava controvérsias, pois foram os próprios inacianos que haviam atribuído essa expressão à cerimônia tupi, a qual era julgada como diabólica.

Para os nativos esta santidade era a constante procura da “Terra sem Mal”, um lugar sagrado que se renova eternamente, uma busca à sociedade da felicidade divina e o abandono da terra má, a sociedade tal qual eles viviam.

Em relato de Manuel da Nóbrega ele mostra muito bem o que seria a “Terra sem Mal” que os índios tanto idealizavam.

“No plano das crenças, a mensagem veiculada pelo profeta/feiticeiro aludia, sem sombra de dúvida, a Terra sem Mal: lugar de abastança, onde os víveres não precisariam ser plantados, nem colhidos, e as flechas caçariam sozinhas no mato; fonte de imortalidade, de eterna juventude, onde as velhas se tornariam moças, espécie de juventa tupi.” (Ronaldo Vainfas. A heresia dos índios. P. 53)

De certo modo, a busca da Terra sem Mal significava uma “guerra” contra o colonizador e suas imposições.

As cerimônias tupis denominadas de santidades, além de serem vistas como um ritual, também foram percebidas pelos portugueses como um movimento, como uma ação coletiva dos índios no sentido de migrações, rebeliões e assaltos contra o colonizador.

“A primeira notícia de migrações fugitivas provém de Gandavo, que aludiu ao percurso de um grupo de índios que partiu do Brasil sertão adentro rumo ao Peru, acrescentando que o intento deles não era outro senão buscar sempre terras novas, a fim de lhes parecer que acharão nelas imortalidades e descanso perpétuo.” (Ronaldo Vainfas. A heresia dos índios. P. 64)

Uma das mais importantes santidades ocorreu no recôncavo baiano, principalmente em Jaguaripe. A partir daí praticamente todo litoral brasileiro passou a conhecer o termo santidade.

Muitos cronistas também descreveram a cerimônia tupi. Diversas narrativas foram feitas com respaldo nas correspondências e escritos de jesuítas como Anchieta, Cardim, Pedro Correa e outros durante os anos de 1550 e 1560.

Outro papel importante da santidade ameríndia era a prática do “rebatismo”. Usado como forma de anular o sacramento católico e trazer de volta o nativo para a “verdadeira” santidade, pois diziam os índios que a fé cristã era falsa e não merecia que nela se acreditassem.

“Aos olhos dos índios, se o batismo dos padres lhes trazia a morte – morte real e simbólica – o rebatismo da santidade significava para eles a vida eterna na terra da imortalidade.” (Ronaldo Vainfas. A heresia dos índios. P. 121)

O rebatismo das santidades se efetuava com o uso da água (mostrando muito bem a conectividade com práticas do batismo católico) e o fumo, muitas vezes mudando o nome cristão do rebatizado. Ao extirpar o nome cristão do índio, adotava-se outro em sua língua, reeditando-se assim a cultura tupi e exorcizando a outra.



Conclusão

No decorrer deste trabalho pude notar certa disparidade entre as bibliografias por mim utilizadas, com a história que estudamos no ensino fundamental e médio. A atitude dos jesuítas e de outros missionários foi um tanto quanto duvidosa em relação à questão indígena.

Se de um lado os jesuítas se posicionaram contra a escravização ameríndia, por outro, foram coniventes ao confinarem os nativos nos chamados aldeamentos cristãos, onde, através das catequeses, obrigavam estes povos a abandonar seus modos de vida, suas andanças pelas matas, suas lideranças espirituais, suas crenças e ritos.

No que diz respeito ao contexto da colonização no Brasil, a pregação da religião foi apenas um elemento do conjunto de recursos utilizados para se conseguir os objetivos que a parte dominante tanto almejava.

 A catequese serviu como instrumento para a imposição dos usos e costumes portugueses, procurando com isso uma certa domesticação e adestramento dos nativos para se adquirir não só a conversão das almas, mas também a utilização econômica daquela mão-de-obra ali disponível.

Por outro lado, essa imposição não foi recebida pelos índios sem nenhum tipo de resistência. A busca pela Terra sem Mal, por exemplo, foi uma das principais oposições dos nativos a escravização que os colonizadores portugueses os submeteram. A procura da Terra sem Mal se caracterizou pela fuga indígena dos principais centros de colonização. Isso deixa claro que, se os índios cederam a imposição portuguesa, não foi porque quiseram e sim por impotência.

É de se estranhar que até hoje os livros didáticos não abordem esses temas, que, se for levar em consideração, nos mostraria uma outra face do que foi o processo colonizador, ou no mínimo nos daria assunto para uma longa discussão.



Referências Bibliográficas

VAINFAS, Ronaldo, A heresia dos índios - catolicismo e rebeldia no Brasil Colonial, São Paulo: Companhia das Letras, 1995.

PAIVA, José Maria de (2000). Transmitindo Cultura: A catequização dos índios no Brasil, 1549-1600. Revista Diálogo Educacional - v. 1 - n.2 - p.1-170 - jul./dez. 2000.

BAPTISTA, Jean. Epidemias nas missões jesuíticas. História Viva, São Paulo, nº. 67, p. 68-73, Maio 2009.











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