sábado, 16 de junho de 2012

Emília Viotti da Costa Da Senzala à Colônia


EMÍLIA VIOTTI DA COSTA
DA SENZALA À COLÔNIA

 edição: 1966)
Resumo precário da obra, focado em:
O PROCESSO DE TRANSIÇÃO DO TRABALHO ESCRAVO
AO TRABALHO LIVRE NO BRASIL
A escravidão marcou os destinos da nossa sociedade.

 O trabalho que se dignifica à medida que se resume no esforço do homem 
para dominar a natureza na luta pela sobrevivência  corrompe-se com o regime da 
escravidão, quando se torna resultado de opressão, de exploração.

 Nesse caso, ele se degrada aos olhos dos homens. O trabalho que deveria ser o elemento de distinção e 
diferenciação na sociedade, embora unindo os homens na colaboração, na ação 
comum, torna-se, no sistema escravista, dissociador e aviltante.

A sociedade não seorganiza em termos de cooperação, mas de espoliação. Por isso, para o branco, o 
trabalho, principalmente o trabalho manual, era visto como obrigação de negro, de 
escravo. “Trabalho é pra negro.” A idéia de trabalho trazia consigo uma sugestão de 
degradação.

 Também para o negro, o trabalho, fruto da escravidão, aparecia como 
obrigação penosa, confundia-se com o cativeiro, associava-se às torturas do eito 
(roça onde trabalhavam escravos). A liberdade deveria, necessariamente, aparecerlhe como promessa de ausência de obrigações e de trabalho. Dessa forma, a escravidão ultrajava a idéia de trabalho e, o que é ainda mais grave, degradava as relações entre os homens. Num regime escravista, o respeito mútuo necessário à verdadeira coesão social não existe. 
 O surto cafeeiro trouxe um recrudescimento da escravidão. A demanda de 
negros aumentou.

 Em Da senzala à colônia, a abolição aparece como resultado de um processo 
de longa duração que envolve mudanças estruturais, situações conjunturais e uma 
sucessão de episódios que culminaram na Lei Áurea. Neste tipo de abordagem, o 
episódio (por exemplo, a aprovação da lei que proíbe o tráfico de escravos) é visto 
como ponto de convergência de movimentos de longa e média duração (estruturais 
e conjunturais).

 Tais movimentos ocorrem simultaneamente no plano nacional e 
internacional. Condições internacionais explicam a decadência da escravidão e seu 
desaparecimento mais ou menos simultâneo nas várias regiões do Novo Mundo, 
depois de a instituição ter funcionado por três séculos sem ser fundamentalmente 
questionada.

 As determinações internas (nacionais ou regionais) explicam o ritmo e 
a forma pela qual a escravidão foi abolida nas várias áreas. Deste modo, a história 
do Brasil é vista a partir de uma perspectiva que transcende as fronteiras nacionais, 
embora não considere os processos internos mero reflexo do que se passa na cena


internacional, pois que as condições internas e internacionais são relacionadas
dialeticamente e não de forma mecânica.
 Existe implícito na obra, o pressuposto de que a escravidão foi uma
instituição integrante do sistema colonial característico da fase de acumulação
primitiva e mercantil do capital e da formação do Estado moderno na Europa
ocidental (séculos XV e XIX). A escravidão teria entrado em crise, quando, com o
desenvolvimento do capitalismo, o Estado absolutista e a política mercantilista
foram repudiados.

 A acumulação capitalista, a revolução nos meios de transporte e
no sistema de produção, assim como o crescimento da população na Europa e a
crescente divisão do trabalho acarretaram a expansão do mercado internacional,
tornando impossível a manutenção dos quadros rígidos do sistema colonial
tradicional.

 A partir das novas condições, a escravidão tornou-se um sistema de
trabalho cada vez mais inoperante, passando a ser alvo da crítica dos novos grupos
sociais menos comprometidos com ela. É preciso notar, no entanto, que as
transformações econômicas e sociais não explicam, por si sós, o desaparecimento da
escravidão como sistema de trabalho. Igualmente importantes foram as mudanças
ideológicas e as lutas políticas do período, as quais, por sua vez – sempre é bom
lembrar -, só podem ser entendidas à luz das transformações econômicas e sociais.

Os instrumentos teóricos forjados na luta contra o Antigo Regime – a filosofia da
Ilustração, afirmando os direitos do homem, a economia liberal clássica,
condenando as práticas mercantilistas e afirmando a superioridade do trabalho livre
– trouxeram consigo os argumentos que levaram à condenação da escravidão. A
crítica solapou as bases teóricas, morais e religiosas que haviam sustentado a
escravidão por mais de três séculos. Passou-se a questionar não só a legitimidade,
mas também a produtividade do trabalho escravo.

 Dentro desse contexto, não tardou muito para que a cessação do tráfico e a abolição da escravatura nas colônias se tornassem temas políticos na luta pelo poder que se travava tanto nas metrópoles
quanto nas colônias. A partir desse momento, a escravidão teria os seus dias
contados. Primeiro viria a interdição do tráfico, depois a abolição. É, pois, dentro
desse amplo quadro de referências, com suas potencialidades e seus limites, que se
movimentam os personagens históricos que se definem a favor ou contra a abolição
da escravatura no Brasil ou em outros países da América.

 O processo de transição do trabalho escravo ao trabalho livre foi, no entanto,
lento e difícil. Tanto mais que as condições que levaram gradativamente ao
desaparecimento do trabalho servil e sua substituição pelo trabalho livre nas áreas
capitalistas mais desenvolvidas reforçaram, inicialmente, a escravidão nas áreas
coloniais, menos desenvolvidas, onde a demanda crescente de produtos coloniais,
motivada pela expansão do mercado internacional, intensificou a importação de
escravos, exatamente quando, nas metrópoles do capitalismo, a escravidão era posta
em questão. A contradição entre desenvolvimento capitalista e escravidão acabou,
no entanto, por se repetir, se bem que de maneira específica, nos vários países da
América. A luta pela cessação do tráfico e pela abolição da escravatura se daria em
ritmos diversos em cada região, dependendo das condições econômicas, sociais,
políticas e ideológicas internas.

 Nos Estados Unidos, esse processo só se resolveria
com uma guerra civil entre o norte e o sul. No Brasil, a escravidão seria extinta por
um ato do parlamento, diante dos aplausos das galerias apinhadas de gente.
 Partindo do pressuposto de que são os homens (e não as estruturas) que
fazem a história, se bem que a façam dentro de condições determinadas [pelas
estruturas], procurei analisar o processo nos vários níveis: o econômico, o social, o
político e o ideológico, reconhecendo que, embora esses níveis tenham uma relativa
autonomia e uma dinâmica que lhes é própria (não sendo possível, por exemplo,
reduzir o ideológico ou o político ao econômico), todos eles estão profundamente
inter-relacionados.

 Transformações na economia implicam transformações sociais
que eventualmente se traduzem em posições ideológicas e gestos políticos; por
outro lado, as lutas pelo poder que resultam do confronto de diferentes grupos ou
classes sociais podem dar origem a uma legislação que afeta o funcionamento da
economia e interfere, em última instância, nas relações sociais etc. Portanto, essa
perspectiva pareceu-me a melhor maneira de compreender o processo histórico e
apanhá-lo em suas múltiplas dimensões, isto é, apresentá-lo na sua dialética.
 Em Da senzala à colônia, procurei mostrar que a crescente demanda de café
no mercado internacional teve como efeito imediato  a intensificação do tráfico de
escravos e sua progressiva concentração nas áreas cafeeiras.

 Pressões diplomáticas inglesas (que só podem ser entendidas dentro do contexto da história da Inglaterra)
levaram o governo brasileiro a proibir a importação de escravos em 1831, numa
fase anterior à grande expansão cafeeira. Mas, a partir de então, a necessidade de
abastecer de mão-de-obra as áreas produtoras em expansão acarretou a continuação
do tráfico, sob a forma de contrabando, até 1850, quando nova legislação veio
interrompê-lo definitivamente.

 A cessação efetiva do tráfico só foi possível em virtude de uma convergência de fatores internos e internacionais. A temporária saturação do mercado comprador de escravos, a centralização do aparato estatal (permitindo maior eficiência na repressão) e o aumento da pressão inglesa sobre o
governo brasileiro fizeram que a lei aprovada em 1850 se tornasse realidade.

 A interrupção do tráfico determinou também a alta no preço dos escravos. De
1850 a 1880, o preço dos escravos subiu constantemente, chegando em certos casos
a seis vezes o seu valor inicial; a partir de então os preços de venda de escravos
declinaram.

 Na segunda metade do século XIX, no entanto, uma série de transformações
ocorreu no país, facilitando a transição do trabalho escravo para o trabalho livre;
tais transformações criaram condições para que essa transição se desse, o que não é
o mesmo que dizer que elas  determinaram  essa transição. Primeiramente, a
acumulação de capitais resultante da expansão do setor exportador permitiu aos
fazendeiros de café introduzir melhoramentos no processo de beneficiamento do
produto (o mesmo é verdade a respeito de alguns fazendeiros de açúcar),
incrementando assim a produtividade do trabalho e reduzindo a mão-de-obra
necessária e permitindo maior especialização do trabalhador.

 A máquina realizava em menos tempo e com mais eficiência o trabalho anteriormente realizado por um
grande número de escravos. O sistema de transportes passou por verdadeira
revolução. Navios a vapor, mais rápidos e de maior  tonelagem, substituíram
gradativamente os navios a vela até então utilizados. Simultaneamente, a
disponibilidade de capitais resultante da acumulação capitalista nos dois lados do
Atlântico permitiu a construção de ferrovias, ampliando dessa forma a capacidade e
reduzindo os custos do transporte. Essa transformação no sistema de transportes e a
melhoria no processo de beneficiamento do café (ou do açúcar) não só aumentaram
a capacidade produtiva como possibilitaram um uso mais eficiente da mão-de-obra.
A partir de então puderam os fazendeiros usar um menor número de trabalhadores
permanentes, recorrendo a trabalhadores extras em tempos de colheita.

 Dentro dessas novas condições, o trabalho livre, desde que fosse possível garantir seu
suprimento e manter baixo o seu custo, se revelaria tão ou mais adequado do que o
escravo. Evidentemente, a maior ou menor produtividade do trabalho livre em
relação ao escravo variava de região para região, dependendo das condições do
solo, proximidade a ferrovias, disponibilidade de mão-de-obra etc.

 Outro fator que contribuiu para tornar o trabalho  livre mais atraente foi o
interesse crescente na circulação do capital. No decorrer do século XIX, a
ampliação do mercado interno e a acumulação de capitais dinamizaram a economia,
multiplicando as oportunidades de investimento nos  setores os mais variados,
mercantis, industriais e financeiros.

  A abertura de novas áreas de investimento não
determinou, obviamente, um deslocamento automático de capitais do setor agrário
para os novos setores, mesmo porque o café continuava a ser remunerador. Em
geral, a tendência do investidor é continuar a investir em áreas com as quais ele está
familiarizado, em vez de assumir riscos desnecessários investindo em setores nos
quais não tem nenhuma experiência. Mas, para muitos fazendeiros, a aplicação de
capitais em vias férreas, bancos, indústrias e empresas comerciais ou companhias de
seguro apareceu não como solução alternativa, mas como oportunidade
complementar atraente, mesmo quando não mais lucrativa.

 Isso porque a diversificação de investimentos diminuía a margem de risco que recaía sobre o
capital investido na agricultura, cujo rendimento estava sujeito às oscilações do
mercado internacional e aos caprichos da natureza.

 Em face das novas oportunidades de investimento, a imobilização de capitais
na compra de escravos passou a significar um entrave à desejada diversificação de
capital, principalmente a partir do momento em que os fazendeiros puderam divisar
alternativas para o problema da mão-de-obra, alternativas estas que não envolviam
imobilização inicial de capital. Isso foi sentido particularmente pelos fazendeiros
das áreas pioneiras, que tinham que adquirir seus escravos por altos preços, sendo
obrigados a um grande investimento inicial. Para estes, a perspectiva de contratar
trabalhadores livres e pagar salários ou outras formas de remuneração equivalentes
ao que despendiam com o sustento dos escravos parecia solução ideal, porque
eliminaria a necessidade de desembolsar uma soma inicial na aquisição dos
escravos.

 Para que pudessem abrir mão do trabalhador escravo, no entanto, seria
necessário primeiro garantir o suprimento de trabalhadores livres.
 No decorrer do século, dois fenômenos concorreram  para criar uma
abundante reserva de mão-de-obra: o crescimento da população livre nacional e a
entrada de imigrantes europeus. Em virtude das transformações ocorridas na
Europa, sob o impacto do desenvolvimento capitalista, um número cada vez maior
de pessoas expropriadas se dispôs a emigrar para o Novo Mundo.

 A partir de 1870, os fazendeiros encontraram na Itália a mão-de-obra necessária às suas plantações.
Mas, apesar das condições para a imigração se terem tornado mais favoráveis, a
substituição do escravo pelo trabalhador livre não existia igualmente para todos. Os
fazendeiros das regiões menos produtivas não tinham condições de atrair
trabalhadores livres – imigrantes ou nacionais, pois estes preferiam as zonas de
maior produtividade. Tal fato foi assinalado tanto nas regiões cafeeiras quanto nas
açucareiras, ou nas charqueadas do sul do país.

Augusto Millet, um senhor de engenho do Nordeste, observou, na década de 1870, que só os senhores de engenho que tinham conseguido modernizar seu equipamento e  cujas fazendas se achavam
localizadas junto a ferrovias, gozando portanto de condições de alta produtividade,
achavam-se em condições de adotar, com sucesso, o trabalho livre.

 Esses eram poucos; para a grande maioria dos fazendeiros do Nordeste, o escravo continuava,
na sua opinião, a ser a mão-de-obra preferida. Idêntica era a situação em São Paulo,
onde o imigrante só substituía com vantagem o escravo em fazendas de alta
produtividade, em que a margem de lucro era ampla e os colonos podiam ser mais
bem remunerados pelo seu trabalho. Essas fazendas eram, em geral, localizadas nas
áreas de ocupação recente, em terras particularmente férteis, junto a ferrovias e a
núcleos urbanos onde os colonos, além do que ganhavam com o café, podiam
vender o excedente dos produtos que cultivavam para sua subsistência, obtendo
assim uma renda adicional.

 Foram os fazendeiros que abriram fazendas nas zonas pioneiras e que não
dispunham de um plantel de escravos os maiores interessados no desenvolvimento
da imigração e do trabalho livre. Para estes, a escravidão aparecia como um
obstáculo à promoção da imigração. Mas enquanto os  fazendeiros das zonas
pioneiras podiam encarar com simpatia o projeto de introduzir imigrantes em suas
fazendas, a maioria dos fazendeiros das zonas cafeeiras mais antigas do Vale do
Paraíba ou do oeste paulista, onerados por dívidas  e às voltas com a queda de
produtividade dos seus cafezais e que, por isso mesmo, tinha dificuldades em atrair
trabalhadores livres, continuava apegada ao trabalho escravo. A contrastante atitude
dos fazendeiros das zonas pioneiras e das zonas decadentes não pode ser explicada
em termos meramente psicológicos ou ideológicos, como sugeriram alguns autores.
Não se trata de opor pura e simplesmente uma mentalidade senhorial a uma
empresarial, mas de contrastar duas condições  objetivamente diversas que
permitiram a uns assistir com relativa indiferença aos progressos do abolicionismo e
levaram outros a defender até o último instante a ordem tradicional.

 A despeito da grande dificuldade de circunstâncias enfrentadas pelos
proprietários de escravos – o que explica em parte a diversidade de comportamento
-, a verdade é que as transformações na economia e  na sociedade tornaram
gradativamente o trabalho livre uma alternativa mais viável, quando não mais
vantajosa, do que jamais fora. As mudanças econômicas, no entanto, não são
suficientes para explicar a abolição. Outros fatores, igualmente importantes,
contribuíram para desqualificar o trabalho escravo. Não tivessem as leis do Ventre
Livre e dos Sexagenários – por mais modestos que tenham sido seus resultados
práticos imediatos – questionado a legitimidade da  propriedade escrava e
condenado a instituição a desaparecer a longo prazo; não fosse a agitação
abolicionista levantar suspeitas sobre a legitimidade da propriedade escrava e a
produtividade do escravo; não fosse, finalmente, a  rebelião das senzalas e a
conseqüente desorganização do trabalho nas fazendas – a instituição provavelmente
teria sobrevivido até o século XX. Todas essas circunstâncias, que não podem ser
medidas em termos de  imput  e  output, investimento e taxas de lucro, afetaram a
maneira pela qual os fazendeiros avaliaram as vantagens e desvantagens do trabalho
escravo e determinaram as atitudes que assumiram em face dos projetos de abolição
apresentados ao parlamento.

 Os abolicionistas pertenciam, na sua maioria, ao que se convencionou
chamar de “classes médias” urbanas. Muitos dos que se filiaram à Confederação
Abolicionista eram médicos, engenheiros, industriais, professores, advogados,
jornalistas, escritores, artistas ou políticos profissionais. Alguns descendiam de
tradicionais famílias de fazendeiros, outros vinham da burguesia urbana emergente.
Havia ainda, entre eles, homens de origem modesta, mulatos que tiveram acesso às
camadas superiores da sociedade mediante o sistema  de clientela e patronagem.
Muitos estavam comprometidos por laços familiares, profissionais ou políticos com
as oligarquias rurais, mas, apesar dessas conexões, eram menos dependentes da
ordem escravista do que os fazendeiros e revelavam-se, em geral, mais acessíveis à
propaganda abolicionista. Quem esperar, no entanto, encontrar unanimidade entre
esses grupos está fadado ao desapontamento, pois é  possível encontrar entre eles
muitos indivíduos que continuaram fiéis às oligarquias, defendendo com ardor os
interesses escravistas.

 (...) Mas se houve pretos e mulatos que se distinguiram nas fileiras do
abolicionismo, foram também numerosos os que defenderam a escravidão ou
permaneceram indiferentes à causa da abolição. O abolicionismo não se definiu em
termos puramente raciais. Houve muito preto que não foi abolicionista e,
paradoxalmente, fervorosos líderes abolicionistas brancos, como Nabuco, não eram
isentos de preconceito racial.

 Se o abolicionismo ganhou adeptos entre categorias urbanas, esbarrou na
indiferença, se não na oposição organizada das camadas rurais. Pequenos
proprietários e trabalhadores livres das zonas rurais não raro ficaram imunes ao
apelo dos abolicionistas e deram seus votos aos candidatos dos proprietários de
escravos, de cuja clientela faziam parte.

 (...) Nem as mudanças estruturais na economia, nem a diminuição relativa da
população escrava e o crescimento da população livre, nem as tentativas de
substituir o escravo pelo imigrante, nem a retórica dos abolicionistas, nem a
legislação emancipadora que pairava como ameaça sobre os senhores de escravos
desde 1871, nem todas essas condições somadas são suficientes para explicar a
aprovação final da lei que aboliu a escravidão em 13 de maio de 1888. É verdade
que, de uma maneira ou de outra, todas aquelas condições solaparam
gradativamente as bases de sustentação do regime escravista, tornando o
investimento em escravos cada vez mais arriscado e o trabalho livre cada vez mais
viável. Mas, como foi visto, os representantes das  áreas cafeeiras no parlamento
continuaram a resistir à pressão abolicionista até o início da década de 1880. O fator
decisivo na mudança de atitude dos fazendeiros das  regiões cafeeiras, principal
reduto do escravismo, foi a rebelião das senzalas. Fazer dela, no entanto, a causa
fundamental da abolição é interpretar esse fato exclusivamente no âmbito dos
fenômenos de curta duração (situações conjunturais), minimizando as
transformações estruturais de longa duração que tornaram possível o sucesso da
insurreição dos escravos.

 Contando com a simpatia e o apoio de setores da população que se tinham
convertido ao abolicionismo, os escravos passaram a fugir em massa das fazendas,
desorganizando o trabalho e forçando os fazendeiros a aceitarem a abolição como
fato inevitável e até mesmo desejável, por ser a única maneira de pôr um paradeiro
à fuga dos escravos e de restabelecer a ordem nas fazendas. Com o objetivo de reter
mão-de-obra, muitos senhores de escravos concederam-lhes alforria, em troca de
prestação de serviços por um determinado número de  anos. As manumissões em
massa eram a resposta dos senhores à fuga dos escravos. Mas esse expediente não
foi suficiente para deter os escravos que continuaram a fugir das fazendas. Foi então
que os fazendeiros reconheceram a necessidade da abolição.

 Por mais importante, no entanto, que tenha sido a agitação dos escravos no
período imediatamente anterior à abolição, não seria ela capaz de destruir o sistema
escravista, não estivesse este já desmoralizado e relativamente inoperante em várias
regiões do país, onde outras alternativas para o problema da mão-de-obra haviam
surgido. Não fossem, portanto, as mudanças na estrutura econômica e social que
tornaram possível a utilização do trabalho livre, não tivessem os fazendeiros de café
e de açúcar encontrado alternativas para o trabalho escravo, não tivesse o
parlamento passado uma legislação emancipadora que  condenava a escravidão a
desaparecer gradualmente, não tivesse a campanha abolicionista convencido amplos
setores da população da injustiça do cativeiro e da legitimidade do protesto do
escravizado e a revolta dos escravos teria, de modo provável, sido violentamente
reprimida, como sucedera tantas vezes durante o período colonial. E provavelmente
nem mesmo os escravos teriam ousado tanto.

 A ação abolicionista foi vital para a criação de uma opinião pública favorável
à abolição. Faltasse a pressão que os abolicionistas exerceram no parlamento,
forçando a passagem de leis emancipadoras (ainda que elas fossem, de imediato,
relativamente inócuas); faltasse seu trabalho de educação da opinião pública, ora
apelando para o sentimentalismo do povo, ora falando aos interesses dos
fazendeiros ao argumentar em favor da superioridade do trabalho livre; faltasse o
trabalho dos grupos mais radicais que instigaram escravos a fugirem e lhes deram
cobertura, a abolição não teria ocorrido em maio de 1888. Por isso, têm razão os
que valorizam a ação abolicionista. Mas seria ingênuo pensar que os abolicionistas
poderiam ter se organizado e ser bem-sucedidos não  tivessem as condições
econômicas internas e internacionais se alterado de modo a tornar mais viável a
adoção do trabalho livre.

 Na falta de alternativas, os interesses escravistas mobilizados teriam tornado muito mais difícil, se não impossível, o trabalho dos abolicionistas. Essa foi a situação em que se encontraram José Bonifácio,
Burlamaque e outros, à época da Independência, quando falharam ao usar dos
mesmos argumentos utilizados cinqüenta anos mais tarde com sucesso por Joaquim
Nabuco em favor da abolição. Faltavam, na época da  Independência, condições
objetivas para a efetivação desse ideal. Não fossem, pois, as transformações
ocorridas na sociedade no decorrer do século XIX, o trabalho dos abolicionistas
teria sido muito difícil, se não impossível.

CONCLUSÕES
A abolição representa uma etapa no processo de liquidação do sistema
colonial no país, envolvendo ampla revisão nos estilos de vida e dos valores de
nossa sociedade. A Lei Áurea é o ponto culminante de um processo que se liga, de
um lado, à desagregação do sistema escravista no mundo e, de outro, às
modificações ocorridas na estrutura econômica e social do Brasil, na segunda
metade do século XIX.
 Durante mais de três séculos, a escravidão foi uma das peças fundamentais
do sistema colonial. No Brasil, e em outras regiões da América onde havia terra em
abundância e a mão-de-obra era escassa e pouco adaptada aos serviços da lavoura, o
desenvolvimento da economia de exportação determinou a concentração da
propriedade e acarretou intenso tráfico de escravos.

 As fazendas funcionavam como uma unidade produtora semi-autônoma.
Produziam, além do açúcar, quase tudo o que era necessário ao consumo, desde
alimentos e vestuário até o mobiliário e os materiais de construção. Para atender a
todas as necessidades, era preciso manter em atividade incessante um grande
número de escravos que se ocupavam dos mais variados misteres. Dedicavam uns à
produção de víveres, outros às lides da lavoura da cana e fabrico do açúcar. Havia
ainda os empregados na construção e conservação dos caminhos e os encarregados
que tinham por incumbência o acondicionamento e transporte dos produtos, sem
falar num sem-número de tarefas menores.

 Formou-se na sociedade colonial uma poderosa oligarquia rural: uma
minoria que se defrontava com o grupo de mercadores e funcionários da Coroa e
que se alçava sobre um pequeno número de trabalhadores livres: artesãos e
agregados e uma grande população de escravos. Fazia parte do quadro um regime
de autoritarismo e arbitrariedades que começava na senzala, onde se consagrava o
princípio da submissão do escravo ao senhor e se estendia a toda a sociedade, com a
sujeição da mulher ao marido, do filho ao pai, do agregado ao patrão. A lei, os
costumes, as instituições e as ideologias refletiam essa realidade. A ação da justiça
detinha-se nos limites das fazendas onde a vontade  do senhor era soberana. Os
fazendeiros tinham os seus capangas que compunham sua guarda pessoal. A
religião era cultuada nas capelas dos engenhos e em igrejas das vilas e povoados
que dependiam em grande parte das doações senhoriais. Essa situação favorecia a
criação de fortes vínculos entre o clero e a camada senhorial. Comprar terras e
escravos constituíam os valores básicos dessa sociedade.

 Com a vinda de D. João VI para o Brasil, rompeu-se o regime de monopólio
comercial em que a colônia vivera até então. O país ligava-se diretamente aos
mercados europeus e às correntes capitalistas internacionais. A abertura dos portos
veio, no entanto, de uma certa maneira, reafirmar o caráter colonial da economia,
pois, ao mesmo tempo que os artigos manufaturados europeus invadiram os nossos
mercados, cresceu a demanda de produtos tropicais,  o que reforçou a tendência
agrária e o escravismo.

 Ao iniciar-se o século XIX, o ritmo de trabalho nas áreas açucareiras não era
muito diverso do que vigorava há quase trezentos anos. Os aperfeiçoamentos
técnicos introduzidos durante os séculos anteriores não tinham alterado
substancialmente o sistema de produção. O açúcar continuava a ser obtido por
processos manuais e rotineiros. O lombo do burro, o carro de boi e a barcaça
constituíam os meios usuais de transporte. Os portos eram mal aparelhados e a
comunicação com a Europa fazia-se em navios a vela.

 Depois da Independência, os grupos ligados à grande lavoura que tinham em
grande parte o controle do poder, realizaram uma política favorável à exportação de
produtos agrícolas e se opuseram, em geral, a medidas que visassem estimular a
industrialização do país. A indústria não se desenvolveu, quer por falta de condições
locais, quer pela impossibilidade de enfrentar a concorrência européia,
principalmente a da indústria inglesa, amplamente favorecida por tratados
comerciais. Continuamos a importar a maior parte das manufaturas. Os produtos
básicos da nossa economia: açúcar, algodão, cacau ou fumo dependiam quase
exclusivamente do mercado internacional. Faltavam,  nessa época, condições para
criação de um mercado interno. A precariedade das vias de comunicação e a
deficiência dos meios de transporte limitavam a produção. Os fretes eram elevados,
a circulação lenta e a distribuição difícil. A rede de transportes, criada em razão da
economia exportadora, estava voltada para o exterior: as melhores estradas ligavam
o interior com o litoral. A comunicação por via terrestre entre as províncias
continuava tão má que se preferia a via marítima. A população livre era diminuta e,
com exceção de uma minoria, vivia à margem da economia exportadora. Vegetava
em choças miseráveis, vestia-se pobremente, alimentava-se mal. Sem recursos,
ignorante e atrasada, tinha poucas ambições e escassas possibilidades.
 As primeiras fazendas de café organizaram-se em moldes tradicionais e o
desenvolvimento da economia cafeeira provocou a intensificação do tráfico de
escravos. Repetia-se o quadro da ordem escravista: os métodos de aproveitamento
da terra, o sistema de transporte, o modo de utilização da mão-de-obra, as relações
entre os componentes da sociedade eram aproximadamente os mesmos. O
fazendeiro de café do Vale do Paraíba tinha muito em comum com o senhor de
engenho do Nordeste. Cedo se improvisaria na Corte  uma nova aristocracia: os
barões do café, que, ao lado dos senhores de engenho, ocupariam cargos no
conselho de Estado, no senado, na câmara e na administração das províncias e que
iriam defender, no parlamento, a continuidade do tráfico e a permanência da
escravidão.

 O monopólio das melhores terras pela grande lavoura, fenômeno observado
de norte a sul do país, a debilidade do mercado interno e finalmente a
impossibilidade de participar da economia de exportação que demandava grandes
investimentos em terras e escravos impediam o desenvolvimento da pequena
propriedade. Ao imigrante, ofereciam-se duas opções igualmente desencorajantes:
ou dedicar-se à cultura de subsistência ou trabalhar nas fazendas de café como
agregado ou colono, em situação não muito diversa da do escravo. Nos núcleos
urbanos as possibilidades de ascensão eram muito limitadas. O escravo continuava a
representar, no campo e na cidade, a principal força de trabalho. Não é pois de
estranhar que a grande maioria das experiências colonizadoras patrocinadas pelo
governo, nessa época, tenha fracassado.

 A sociedade organizava-se em razão do sistema escravista e as instituições
adequavam-se a essa realidade. Nas zonas rurais o senhor exercia livremente seu
domínio. A polícia e a justiça não constituíam impedimento às suas arbitrariedades,
seus membros recrutados entre as categorias dominantes ou pertencentes à sua
clientela colaboravam para a manutenção do regime. O poder legislativo, onde os
fazendeiros tinham larga representação, defendia interesses senhoriais.
Multiplicavam-se as posturas municipais e as leis destinadas a restringir os riscos de
insurreição e punir os crimes cometidos por escravos. A Igreja, por seu lado,
aceitava sem protestos a permanência da escravidão. O clero, comprometido com a
ordem social existente, esforçava-se por conciliar os ditames da moral religiosa com
os interesses econômicos e financeiros, limitando-se a recomendar aos senhores
brandura e benevolência e aos escravos obediência e resignação.
 Entre a casa grande e a senzala houve sempre uma tensão permanente que os
mecanismos de acomodação e controle social mal conseguiram disfarçar. Nem a
“benevolência patriarcal” com que às vezes se tratava os escravos, nem a dureza dos
castigos físicos aplicados com o objetivo de intimidá-los conseguiram evitar a
indisciplina e a revolta. Insurreições, fugas e crimes expressavam, por toda parte, o
protesto do escravizado. O sistema escravista assentava-se na exploração e na
violência e recorria à violência para se manter.

 Na primeira metade do século XIX, enquanto o sistema escravista parecia
consolidar-se no Brasil, a Revolução Industrial e o desenvolvimento do capitalismo
criavam, na Inglaterra, condições para o advento de uma política contrária à
escravidão. Formavam-se grupos sociais ligados à indústria, e interessados na
ampliação de mercados. Desenvolvia-se uma ideologia antiescravista. Os líderes
abolicionistas promoviam intensa campanha contra o  tráfico, conseguindo, em
1807, a sua proibição. Daí por diante o governo britânico passou a exigir que as
demais nações interrompessem definitivamente o comércio de escravos. Gerava-se
assim uma profunda contradição entre a política britânica e os interesses das
camadas senhoriais no Brasil, o que se agravava pelo fato de boa parte da produção
nacional ser exportada para a Inglaterra de onde vinham capitais e produtos
manufaturados.

 A crise do sistema escravista na escala internacional repercutirá de duas
maneiras no Brasil: primeiramente através de uma pressão direta da diplomacia
britânica junto ao governo brasileiro, forçando a decretação de medidas contra o
tráfico e, em segundo lugar, pela divulgação de idéias contrárias à escravidão. Mas
tanto os esforços do governo inglês como as razões  argüidas contra a escravidão
esbarrariam na resistência tenaz dos representantes da grande lavoura que
continuavam a considerar o escravo um instrumento indispensável.
 O progresso da Revolução Industrial acentuou as contradições que minavam
o sistema escravista. Os navios britânicos perseguiam os [navios] negreiros em
águas brasileiras, provocando numerosos conflitos.  A situação tornou-se
insustentável. Atuando no campo dessas contradições e utilizando pontos de vista
defendidos pela ideologia antiescravista, alguns políticos conseguiram, em 1850, a
aprovação da lei que fez cessar definitivamente o tráfico.

 Essa medida, embora de grande significado a longo prazo, não foi suficiente
para alterar de imediato o regime de trabalho. Os fazendeiros de café,
impossibilitados de importar escravos diretamente da África, como vinham fazendo
até então, mandaram buscá-los no Nordeste e em outras regiões do país. Um tráfico
intenso se estabeleceu entre as zonas decadentes e  as áreas novas. As províncias
cafeeiras reuniram, em pouco tempo, dois terços da população escrava do país. Por
toda parte, verificou-se a concentração da mão-de-obra escrava na grande lavoura, o
que veio, indiretamente, favorecer a transição para o trabalho livre nas zonas
urbanas [escravos das cidades sendo recrutados para o campo abriam “vácuos” para
o trabalho livre].

 A redistribuição da mão-de-obra permitiu adiar por alguns anos o problema,
mas criou novas contradições que se iriam agravar com o passar do tempo: entre a
cidade e o campo, entre as províncias onde o “trabalho servil” perdia importância e
as regiões em que representava a principal força de trabalho.
 O aumento da população livre, o processo de urbanização, a melhoria dos
sistemas de transportes e vias de comunicação favoreceram a ampliação do mercado
interno. Igualmente importante foi a substituição dos barcos a vela pelos navios a
vapor, mais rápidos e de maior tonelagem. A economia se tornou mais diversificada
e complexa. Esboçava-se um processo de industrialização que, embora pouco
expressivo no total do complexo econômico do país, significou a criação de novas
perspectivas e a formação de uma mentalidade nova.  Surgiram grupos sociais
menos comprometidos com a escravidão. Os indivíduos ligados às profissões
liberais, ao comércio de retalho, ao sistema de transporte, às indústrias, ao
artesanato e outras atividades urbanas seriam mais  acessíveis às idéias
abolicionistas do que os elementos pertencentes às camadas senhoriais, dependentes
do trabalho escravo.

 A dificuldade crescente de obter mão-de-obra constituía um entrave à
expansão das lavouras. Os altos preços a que os escravos tinham chegado, o elevado
custo de sua manutenção tornavam pouco conveniente o seu emprego, tanto mais
que se pagavam ao trabalhador livre salários extremamente baixos. A aquisição de
escravos passou a significar uma imobilização de capital pouco vantajosa. Os
fazendeiros começaram a interessar-se por outras iniciativas: associaram-se à
construção de vias férreas, incorporaram-se na criação de bancos, promoveram a
vinda de colonos, inverteram capitais na compra de  máquinas para melhorar o
sistema de produção. Surgiram na década de 1870 condições mais favoráveis à
imigração. As transformações ocorridas na Itália depois da unificação levaram à
miséria milhares de camponeses que se dispuseram a  emigrar. Os fazendeiros do
oeste paulista resolveriam o problema do trabalho substituindo o escravo, que se
revelava cada vez menos adequado à nova realidade,  pelo colono italiano. O
movimento imigratório entretanto só se intensificou realmente, a partir de 1886,
com o agravamento da crise do sistema escravista.

 A adesão de alguns setores da lavoura à idéia de emancipação foi decisiva
para a vitória parlamentar do movimento e explica, em parte, o seu caráter pacífico.
Mas é preciso reconhecer que o apoio final dos fazendeiros à Abolição resultou
principalmente da pressão exercida pelos próprios escravos que, instigados pelos
abolicionistas, abandonaram as fazendas, desorganizando o trabalho e criando em
certas áreas um ambiente insustentável. A revolta das senzalas deu o golpe
definitivo no sistema escravista.

 Condenada pelas mudanças ocorridas na estrutura econômica brasileira, a
escravidão perdera gradativamente seu suporte ideológico. As instituições que
outrora funcionavam coerentes com a ordem escravista revelaram-se permeáveis à
propaganda abolicionista. As causas pleiteadas em nome de escravos encontravam
maior acolhida na justiça. O parlamento aprovava leis emancipadoras que, embora
na prática resultassem pouco eficazes, significavam uma concessão à pressão
abolicionista, e exerciam grande efeito psicológico sobre a coletividade. Em 1887, o
exército recusava-se a perseguir escravos fugidos e a Igreja manifestava-se
oficialmente em defesa do cativo. No ano seguinte, um simples ato legal extinguia a
escravidão, sem que houvesse convulsão social ou abalos profundos na economia.
 Realizada no plano político-parlamentar pelas categorias dominantes, mais
interessadas em libertar a sociedade do ônus da escravidão, do que em resolver o
problema do negro, a Abolição significou apenas uma etapa jurídica na
emancipação do escravo que, a partir de então, foi abandonado à sua própria sorte e
se viu obrigado a conquistar por si sua emancipação real.
 Nas regiões mais dinâmicas e progressistas, a lei veio apenas consolidar uma
situação de fato; nas outras, ela representou um golpe de morte numa economia
decadente, e a maioria dos fazendeiros onerados por dívidas não mais conseguiram
recuperar-se.

 A Abolição não significou a destruição imediata da ordem tradicional. O país
continuou predominantemente agrário, apoiando-se na exportação de produtos
tropicais. Manteve-se intacto o sistema de propriedade. As condições de vida dos
colonos continuaram precárias na maioria das fazendas, e só melhoraram quando o
progresso da industrialização e da urbanização abriram novas perspectivas. O negro,
marcado pela herança da escravidão, não estando preparado para concorrer no
mercado de trabalho e tendo de enfrentar toda sorte de preconceitos, permaneceu
marginalizado. Alguns estereótipos e preconceitos elaborados durante o período
escravista mantêm-se até hoje, e só recentemente [estamos em 1966] se cogitou, no
parlamento, de melhorar as condições de vida do trabalhador rural. O processo de
modernização da economia atingiu apenas algumas áreas e segmentos limitados da
sociedade brasileira. As estruturas arcaicas não foram totalmente eliminadas e em
muitas regiões persistem quase inalteradas, criando uma sucessão de quadros
humanos e de paisagens tão diversas que permitem definir o Brasil como uma terra
de contrastes.

 A Abolição representou uma etapa apenas na liquidação da estrutura
colonial. A classe senhorial diretamente relacionada com o modo tradicional de
produção e que constituía o alicerce da monarquia foi profundamente atingida. A
Coroa perdeu suas últimas bases. Uma nova classe dirigente formava-se nas zonas
pioneiras e dinâmicas. A nova oligarquia, ainda predominantemente agrária,
assumiu a liderança com a proclamação da República Federativa que veio atender
aos anseios de autonomia, que o sistema monárquico unitário e centralizado não era
capaz de satisfazer. A história da Primeira República estará desde suas origens até
1930 marcada pela sua atuação.
 Abolição e República significam, de uma certa forma, a repercussão, no nível
institucional, das mudanças que ocorreram na estrutura econômica e social do país 

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